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Violência doméstica: entrevista a Elza Pais ...

14 Abr 2010
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2 min - 11 Jul 2010
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Cada um dos problemas relacionados com as questões da igualdade daria matéria para uma conversa interminável. Nesta lógica, é difícil abrir e fechar dossiês tão densos e com tanto alcance numa entrevista de apenas uma hora. O percurso de Elza Pais e a sua experiência de vida têm marcado de forma expressiva a paisagem política e institucional deste país. Revelou a sua fibra no Instituto da Droga e da Toxicodependência e deixou muito trabalho feito quando coordenou o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades. Mas não só. Tem uma postura tranquila e um discurso político, mas fala sempre com paixão e convicção.



Ao fim de três meses, quais as suas maiores frustrações e as suas maiores conquistas?

Frustrações ainda não tive muitas; a maior conquista foi o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Também era uma prioridade sua?

É uma prioridade da política da igualdade lutar contra qualquer forma de discriminação.

Não a incomoda o que aconteceu na TAP, em que dez mulheres não receberam prémios anuais por terem estado de baixa de parto?

Incomoda qualquer tipo de discriminação contra as mulheres em qualquer empresa. No caso da TAP, ainda está a decorrer o processo contra-ordena- cional.

E não acha esta prioridade maior, sabendo que o universo das mulheres discriminadas por questões relativas à maternidade e ao aleitamento é muito grande?

Sabe, não me oriento pela quantidade. Basta um problema tocar uma pessoa para ser fonte de preocupação para mim. Ambas as formas de discriminação são graves.

As mulheres têm hoje mais consciência dos seus direitos?

Têm. E também têm mais a quem recorrer, e isso faz com que a visibilidade destas questões tenha aumentado nos últimos anos. Deixe-me dizer-lhe que nos meus primeiros 100 dias de governo também escrevi a promoção de medidas estruturantes ao nível da igualdade de género.

De que medidas fala?

Uma tem a ver com a promoção do empreendedorismo feminino. Até 2013 temos 83 milhões de euros destinados à promoção da igualdade de género em Portugal, em quatro linhas centrais: o empreendedorismo feminino; planos para a igualdade nas empresas, na administração central e nas autarquias; acções de formação diversa e apoio às ONG.

O empreendedorismo feminino é uma área vital?

É uma área prioritária e central das políticas do governo, em continuidade com aquilo que já se tinha feito na legislatura anterior, mas agora ainda mais porque a crise económica e financeira mundial que estamos a atravessar pode ser resolvida com o contributo das mulheres.

Gosta de dizer que a crise é uma oportunidade para potenciar a igualdade. Acredito realmente que podemos aproveitar a crise para construir uma nova oportunidade para diminuir as desigualdades.

A maior discriminação das mulheres nas empresas ainda é ao nível da

tomada de decisão?

É, e tem a ver com uma cultura ancestral, transmitida de geração em geração, mas a taxa de trabalho das mulheres portuguesas, 62,5%, até está acima da média da União Europeia, 59%. No que diz respeito à tomada de decisão económica, a taxa de participação das mulheres nos conselhos de administração das empresas é de 11% na União Europeia e em Portugal é de 3%.

É muito baixa.

É de facto muito baixa, e estamos a falar de países como a Holanda e a Suécia, que têm lutado pela igualdade de género e têm as políticas mais vanguardistas que conhecemos em todo o mundo.

E mulheres presidentes de conselhos de administração?

A taxa das mulheres é praticamente nula, e portanto é um caminho que se está a fazer. Temos de continuar a implementar planos de igualdade nas empresas e salientar as boas práticas. Portugal tem adoptado medidas positivas.

Está a falar da Lei da Paridade?

Sim, a lei aplicou-se pela primeira vez em 2009 e renovou o figurino político, colocando mais mulheres no palco da decisão política, quer na Assembleia da República, quer no Parlamento Europeu (PE), quer nas Autarquias. Por exemplo, no Parlamento Europeu tínhamos seis mulheres em 24, agora temos oito em 22, e a taxa aumentou significativamente.

Quantas vereadoras passámos a ter por causa da aplicação da Lei da Paridade?

Ainda não temos esses números apurados, mas vamos passar a ter uma percentagem muito próxima dos 33%.

Acha que certas questões não estariam na agenda política sem a participação das mulheres?

Acho, antes de tudo, que a participação das mulheres é uma questão de justiça e uma questão de direito. Não faz sentido nenhum que metade da humanidade seja discriminada com base no sexo e não faz sentido nenhum que nós, as mulheres, não tenhamos as mesmas oportunidades que os homens em matéria de carreira profissional.

Já não há profissões vedadas às mulheres?

Não. Desde o 25 de Abril que todas as profissões podem ser exercidas pelas mulheres.

Mesmo ser governador do Banco de Portugal?

(risos) Claro. Espero que neste novo figurino de renovação e sucessão também sejam sugeridos nomes de mulheres. Seria um sinal muito importante ter uma mulher nesse cargo. O PE fez pressão no sentido de haver mulheres nos lugares de topo e agora temos uma mulher no topo da hierarquia da União Europeia.

Acha que o lóbi europeu das mulheres funciona bem?

Funciona como tomada de consciência. Todo este movimento é liderado por mulheres, mas também por muitos homens. Acabei de nomear um homem para vice-presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade, justamente para sublinhar que todas as discriminações com base no sexo são discriminações dos direitos humanos.

A valorização das mulheres pode potenciar a discriminação dos homens?

As leis não são para termos uma quota de mulheres, mas sim para termos uma representação equilibrada de homens e mulheres.

Para que serve exactamente uma Secretaria de Estado da Igualdade?

Para promover a igualdade de género e uma cultura de cidadania, em que se tenha acesso facilitado aos direitos.

Qual é a confiança que esta recém- -inaugurada secretaria de Estado traz aos cidadãos que se sentem discriminados, uma vez que já existia quando foram conhecidas as notícias relativas às discriminações na TAP?

Se tivéssemos todas as discriminações resolvidas, não seria criada uma Secretaria de Estado da Igualdade. Esta secretaria de estado traduz a vontade política de acabar com todas as discriminações, em especial com as que têm como base o sexo.

Está na moda dar prioridade à igualdade?

A igualdade é uma prioridade porque é uma questão de direito e de justiça para com as mulheres e para com os homens. O Banco Mundial já disse que a igualdade tem de estar na agenda política, não por uma questão de moda ou de compaixão com as mulheres, mas por questões de justiça, direito e igualdade.

Os homens também beneficiam com a igualdade?

Nesta legislatura gostava de conseguir dar visibilidade àquilo que os homens perdem pelo facto de não termos vivido em paridade durante gerações e gerações.

O que é que os homens perderam?

Muito! Desde logo, a capacidade de de- senvolver as suas capacidades afectivas e do cuidado.

O homem não tinha margem para construir as suas relações afectivas?

O que era esperado dos homens? Que tivessem uma carreira profissional! Aliás, a figura do chefe de família já não existe, mas era uma das classificações reconhecidas nos códigos de sociologia.

Hoje espera-se que homens e mulheres partilhem as carreiras profissionais e os afectos. Nesse sentido quase poderíamos falar de uma discriminação negativa dos homens que se traduzia em esperar tudo deles...

Ora bem... Eu diria a coisa de outra maneira: não se deu a oportunidade histórica aos homens para desenvolverem as suas competências afectivas e relacionais e este é o momento de eles próprios reivindicarem a oportunidade de as viverem.

Os homens estão apreensivos relativamente a esta chegada das mulheres à vida activa ou olham para isto como uma oportunidade?

Os homens são plurais, há de tudo. (risos) Não ponho a questão em termos de medos, mas de oportunidades. Acho que os homens portugueses estão a reagir muito bem a estas mudanças. A Lei da Paridade é disso exemplo.

Há dez anos seria impensável uma Lei da Paridade?

Há dez anos era uma questão que nem se punha! A maioria dos homens não fazia conciliação com a vida familiar.

Agora alguns começam a gostar de sair às seis da tarde para terem tempo para a sua vida pessoal e familiar...

Repare que para eles existia apenas uma dimensão na sua vida, e nesta lógica estavam muito limitados no exercício da sua cidadania. É muito importante dizer que num sistema de igualdade não há perdas para ninguém, há ganhos-ganhos, há mais-mais.

É a chamada win-win situation?

É, completamente. Toda a gente ganha!

Quais têm sido os role models nesta área da igualdade? Quais são os grandes testemunhos da conciliação trabalho-família? São actores de cinema como o Brad Pitt, por exemplo?

Sim, são actores de cinema e alguns ídolos da juventude também. Curiosamente, temos em Portugal uma campanha feita com o António Aguilar, jogador de raguebi, o actor Ricardo Pereira e a modelo Mariana Monteiro, que deram a cara contra a violência nos namoros. Na Suécia, por exemplo, há pequenos filmes com os ministros em que eles aparecem enquadrados nas suas actividades familiares, às quais dedicam tempo. Todos estes testemunhos são muito importantes.

Falou da violência nos namoros. As novas gerações têm uma percepção errada do amor ou dos afectos?

Quando percebi através de um estudo recente que a violência no namoro atingia 25% dos jovens (incidindo sobretudo nas raparigas) e que muitos destes jovens tinham a percepção de que a violência era uma forma de amor e não uma violação dos direitos humanos, fiquei muito preocupada.

Que tipo de gestos confundem os jovens?

O controlo ou os ciúmes excessivos, bem como o sentimento de posse. São atitudes que implicam várias formas de violência psicológica e podem chegar à agressão física.

Fez uma tese sobre o homicídio conjugal que foi publicada em 1998. É uma realidade brutal. Isso marcou um antes e um depois na sua vida?

Essa tese vai agora ser reeditada e devo dizer-lhe que há 12 anos esse fenómeno era ainda mais brutal porque ainda não era tão conhecido.

Há muitas mulheres que dormem com o inimigo?

Indiscutivelmente, sim. Sabem que estão com o agressor e muitas não se conseguem libertar do ciclo de violência. É uma realidade que persiste em todo o mundo, não apenas no nosso país.

Há mais violência doméstica hoje em dia ou há mais queixas?

Hoje em dia assistimos a um claro aumento das queixas, mas isso não quer dizer que a violência também esteja a aumentar. Em 2006, em 50% dos nossos distritos não havia um único núcleo de apoio às vítimas de violência doméstica, mas na legislatura anterior cumpriu-se o objectivo de implementar pelo menos um núcleo por distrito.

Continua a ser pouco...

Claro! Mas é o primeiro passo. A estratégia que se segue é reforçar a rede de protecção das vítimas. Mas também há programas para tratamento de agressores e afastamento da residência de família.

Era muito nova quando fez esta investigação. Custou-lhe muito falar com os homicidas?

Entrevistei homens que mataram mulheres e mulheres que mataram homens e cheguei à conclusão de que sobretudo as mulheres que mataram era por não suportarem mais as agressões. Não se pode falar em legítima defesa, claro, mas posso dizer que estas mulheres matavam para não morrerem. Saía das entrevistas desfeita.

Era uma realidade terrível e ainda por cima desconhecida...

Internacionalmente também havia muito pouco trabalho feito sobre estas questões e foi surpreendente tudo o que encontrei nas entrevistas.

Conseguiu encontrar traços de humanidade nos agressores?

O que vi em muitos dos agressores foram sentimentos de culpa. Muitos deles mataram numa reacção momentânea, sem premeditação, num impulso descontrolado. No caso das mulheres, houve muitas que foram obrigadas a praticar um acto horrível como o homicídio para poderem sobreviver.

O antes e depois no seu percurso de socióloga e investigadora deu-se aí?

A partir daí quis intervir muito numa área que já tinha estudado, achei que devia ter uma intervenção activa. Foi uma realidade que me chocou e que vitimava sobretudo as mulheres, mesmo quando eram elas as homicidas.

Há mais ou menos homicídios nos casais?

Os homens matam mais, mas as mulheres matam cada vez menos, o que quer dizer que esta estratégia de procura de soluções alternativas está a funcionar. Quando publiquei a minha tese não havia uma única casa de abrigo para as mulheres vítimas de violência doméstica!

Sente que teve as mesmas oportunidades profissionais que os homens?

Não. Hoje as jovens de 20 anos têm mais oportunidades, por exemplo de serem deputadas, do que eu tive com essa mesma idade.

Isso foi um motivo de revolta ou um motor transformador?

Um motor! Hoje vejo com grande satisfação jovens deputadas que podiam ser minhas filhas e estão num órgão de soberania e decisão como a Assembleia da República.

Alguma vez foi discriminada positivamente pelo facto de ser mulher?

Não sei onde nem como... (risos) Quando fui presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência perguntaram- -me se o facto de ser mulher contribuiu para ser presidente de um organismo tão importante e eu respondi que talvez por ser mulher só naquela altura pude ser presidente! Se fosse homem, poderia ter lá chegado muito mais cedo.

No fim do seu mandato, o que gostaria que tivesse acontecido para se sentir realizada?

Sei que é uma utopia, mas gostava de ter construído uma nova cultura de cidadania que envolvesse todos os jovens do país.


http://www.ionline.pt/conteudo/47580-elza-pais-ha-mulheres-que-matam-nao-morrerem---video